segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Acertos.

Tá bom, tá bom. Mais dia, menos dia eu teria mesmo que fazer um acerto de contas com 2010.

Aninho carrancudo, passagem dura, período complicado mas, agora, derradeiro. Confesso, custo a reclamar. Quase nunca me atrevo a desejar que tudo seja diferente no ano seguinte, mas dessa vez me tomo em sérias dúvidas sobre o assunto.

Como conheço de cor e salteado, íntima amiga da única responsável pelos acontecimentos, darme-ei ao direito: não quero tudo isso em 2011. Ou, me auto-corrigindo, não farei tudo isso em 2011. Talvez seja a única promessa que eu seja capaz de cumprir de verdade nesse novo ano, já que a maioria das coisas coisas que fiz - e as que desfiz - não precisarei fazer ou desfazer de novo.

Pronto.
Agora já posso passar para os capítulos dieta, livros não lidos, a academia que nunca vou, os parentes que nunca visito, a pimenta ou o vinho em excesso. Essas, as promessas corriqueiras, ocupam a cabeça da gente o ano inteiro justamente para não dar espaço pras outras, aquelas que não queremos repetir. Até porque seria deprimente tirá-las da lista e não ter o que prometer de tão simples para 2012.

Vou fazer outras listas. Ainda necessito outros acertos.
Mas o que de melhor tenho para prometer para 2011 são os erros absolutamente reprisáveis de 2010.


terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Romance.

Sempre achei engraçada aquela escrotíssima frase "Se você quer romance, leia um livro". De tão pendente, paira o hilário. Não sei quem a cunhou - possivelmente a sabedoria popular ou algum cantor contemporâneo - mas, há algo de verdadeiro nela.

As pessoas têm uma mania interessante de procurar adjetivos e explicações freudianas para os seus relacionamentos românticos. "Fulana é ótima, tem dentro de si uma complexidade quase singela". Para os homens temos "um misto de virilidade e sensibilidade raro de se ver".

Não sei que equilíbrio se pretende buscar com essas frases. Talvez nos romances elas pareçam soar bem, inteligentes, eficientemente descritivas para o leitor. Mas ao vivo, é como se tivéssemos a obrigação de transcrever verbalmente para o nosso interlocutor o que se passa com o casal, após profunda e complexa análise científica. Ou, pior, de nos convencermos que existe uma boa explicação para isso tudo.

Não existe "porque sim" ou "porque meu coração palpita"? Ou "porque meu coração parou de palpitar"? É lindo e honesto, mas simplório demais para a era do conteúdo. Para uma época em que todos nós precisamos nos inserir, sermos aceitos por aquilo o que carregamos dentro do cérebro.

Quem falando? A dona das grandes frases pernósticas e das relativizações mais desnecessárias está em protesto pela volta da simplicidade. Do tempo em que a gente dizia o que sentia, sem tanta sinapse.

Acho que merecemos ser arrebatados com mais frequencia.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Ode.

À casa da mãe.
O lugar mais "Nestlè" que existe.

Lamento que a vida demore a nos ensinar essa beleza.

Na casa da mãe acordamos cedo, sentamos à mesa para um belo café e deitamos no sofá para assistir desenho animado com um olho aberto, outro fechado.
Na casa da mãe as coisas triviais tem outro sabor. Os cobertores são mais quentes, o sabonete é mais cheiroso e o abraço parece que nunca acaba.
Na casa da mãe as histórias ressurgem, as fotos antigas divertem e o vinho deixa as horas mais longas.

Na casa da mãe nos tornamos indestrutíveis.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Partida.

Eu sempre comento, nas minhas humildes análises futebolísticas, que um time vencedor é, em geral, aquele que sabe atuar pelos flancos. Bons volantes, rápidos, agressivos e precisos. Aguerridos em seus objetivos, bem liderados. A vida é exatamente assim, e eu deveria aprender mais com isso.

A vitória corre pelas laterais, de onde se tem uma excelente visão do jogo, do posicionamento do adversário. De onde se distribui a jogada de forma planejada, avançando na direção do gol com efetividade.

Todos nós deveríamos trazer para fora das quatro linhas algumas dessas estratégias. Aliás, uma boa estratégia é o primeiro passo para o êxito naquilo o que se quer. E se esse direcionamento for guiado por essa velocidade, por essa explosão, por essa vontade de fazer dar certo, gosto mais.

Sejamos volantes das nossas vontades. Dos nossos sonhos, objetivos. Visionários, focados e absolutamente coletivos. Sejamos máquinas impulsionadoras das nossas realizações, lembrando sempre que lá na área existe alguém para emprestar o seu talento e nos ajudar a finalizar a jogada.


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Ira

Deveria ser proibido relacionar-se com o mundo em dias como esses. A fechadura deveria emperrar, evitando que saíssemos de casa. As teclas do computador deveriam ser sensíveis à temperatura das pontas dos nossos dedos mortíferos e nos impedir de digitar a senha do blog e dizer ao mundo que hoje não é um dia bom pra fazer aquela piadinha atravessada.

Não é por causa do tempo feio. Não é porque eu tive que trabalhar ao invés de curtir um feriadão. Nem a proximidade das eleições e a chuva verborrágica irritante dos condidatos. Nenhum motivo frugal como esses me abalaria dessa forma. Nem o Inter fora do G4.

Eu insisto em me surpreender com as pessoas. Não, isso não é uma manifestação de apreço ao lugar-comum, mas uma constatação tenebrosa de como não conhecemos as pessoas que estão tão próximas de nós. E o mais irritante disso é quando elas se revelam à você lhe entregando um cartaz escrito "eu já sabia". Erga-o com os dois braços bem altos e um nariz vermelho lustroso, refletindo aquele sorrisinho esperto do interlocutor sinistro.

Parece um conto do Stephen King, mas não é. Já imaginei aquele palhaço bizarro saindo debaixo da cama, mas quisera eu que o meu pesadelo fosse tão surreal.

Aprenda: algumas pessoas bacanas não são bacanas, elas estão bacanas. Se você mexer no pote delas ou mudar a sua parte do plano, esteja bem acordado para reagir. Ou faça como eu e escolha passar os seus dias de véspera de feriado relativizando sobre o assunto, com a mão na testa demonstrando preocupação, uma garrafa de vinho e o telefone do advogado... que está de folga e não atende ao telefone.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Gavetas.

Lá vou eu, mexer nelas de novo.

A minha primeira reação é puramente alérgica. Não é fácil, não é confortável no começo, porque invariavelmente se sacode a poeira. A medida em que vamos tirando tudo do lugar, parece uma bagunça insolúvel. Dá um pouco de medo, as vezes dá vontade de colocar tudo de volta e fechar a porta rapidinho, com o olho apertado, fingindo que a gente não viu nada, não fez nada, não mexeu em nada.

As vezes não dá mais para disfarçar tanto. Começa a incomodar. Fica tão apertado que não cabe mais nada dentro. Fica tão confuso que já não se encontra mais o que se quer. Tem que colocar tudo pra fora, separar o que serve, lavar o que está sujo, doar o que já saiu de moda, dobrar o que ainda fica pra próxima faxina.

Reorganiza-se a partir de uma série de critérios: cores, tamanhos, comprimento das mangas, tecidos, ocasião. O importante é abrir as portas, correr as gavetas e encontrar o que se espera, pois até nisso a expectativa é quem manda. Melhor amiga.

As vezes não se organiza mais: hora de mudar de estilo, tingir algumas peças, encurtar outras. Tesoura, coragem e um bom antialérgico para acompanhar.


quarta-feira, 28 de abril de 2010

Admirável.

Admiráveis os desbravadores.
Acreditam em coisas que os outros não vêem, perseguem objetivos que ninguém valoriza. Criaturas dotadas de uma visão periférica invejável, são quase capazes de prever o futuro e apontar a inovação. Fazem a tendência parecer brincadeira de criança.

A história, antiga e recente, nos mostra diversos exemplares. Desde os descobridores de novos mundos, até os excêntricos cortadores de orelha. Uma pena que, em média, morrem jovens, pobres e eternos.

Uma metáfora muito adequada ao nosso universo atual, moderno, contemporâneo, horizontal, global e um tanto quanto hipócrita - ainda - nesse aspecto. O mundo da comunicação, igualmente, nada seria sem esse bicho carpinteiro que habita alguns corpos e os faz, quase que involuntariamente, mirar o escuro, atirar no incerto, vasculhar possibilidades. Tatear por texturas desconhecidas sob o som flamante das críticas sem a menor possibilidade de desistir, de apagar.

Há os que operam a certeza, e é graças a eles que eu posso olhar o futuro.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Opostos.

O choro é uma das coisas que mais refrata as pessoas. Quando fervo em gargalhadas, elas me acompanham, no caso de acharem a falácia tão merecedora quanto eu, mas se choro elas se fecham. O choro inibe. O choro comove. O choro choca, de certa forma.

O choro é o oposto do riso, e, portanto, se rio quando estou feliz, choro quando?

Admito, a gente chora quando está triste, quando está frustrado, quando está com saudade, quando tem dor e, em geral, todas essas coisas tem um lado não tão bom - como todas as coisas.

O choro é o oposto do riso, e, portanto, se rio para colocar uma alegria pra fora, choro para que?

Todo mundo chora e eu acho que isso deveria ser mais natural. Poupe o olhar de pena. Poupe as perguntas constrangedoras, o abraço maternal e chore junto, se quiser. Alivia, excreta, limpa.

O choro é o oposto do riso, mas poderia ser tão contagiante quanto.


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Picotes.

Picotes nunca funcionam comigo. Ou sou eu que não funciono com eles.
Eu vou tomar a iniciativa de fazer uma enquete sobre o assunto, porque, honestamente, isso acaba abalando um pouco a minha auto-estima.

É assim com o filtro de café, com a embalagem de cereal, com a caixa de lenço de papel. Tem uma instrução clara, que diz que basta pressionar para abrir e isso, invariavelmente, não funciona comigo. Sempre rasga um pedaço, justo aquele que deveria encaixar para garantir um mínimo fechamento depois de violado o picote.

1. Azar;
2. Inabilidade;
3. Defeito de fabricação (Meu ou do picote?);
4. O psiquiatra diria que isso é um claro sintoma da minha incapacidade de começar e encerrar as relações de uma forma adequada, normal, padrão, conforme as regras;
5. Meu mecânico diria "traz aqui pr'eu ver, se não vai dar merda dona Fernanda";
6. Minha chefe diria que eu sempre arrumo um jeito de quebrar os paradigmas, e que é justamente pra isso que ela me paga;
7. Meu namorado diria que eu sou perfeita e que a indústria do picote, que teve seu amadurecimento no auge da revolução digital, ficou ultrapassada e obsoleta, portanto picotes não podem, jamais, serem considerados balizadores sociais, muito menos medidas da habilidade humana;
8. Kurt Cobain diria que não há mais nada na vida depois dessa derrota;
9. Minhas amigas me diriam pra orientar melhor a minha empregada;
10. Minha empregada diria que nunca teve problemas com essas embalagens picotadas.


Tudo na vida é ponto de vista, e é por isso que eu ainda prefiro rasgar grosseiramente o tal do picote e fechar a embalagem com o prendedor de roupas de madeira, que nem a minha avó faz.


quinta-feira, 15 de abril de 2010

Meus homens.

Há exatos vinte anos, o mundo ficava mais bege.
Menos inteligente.
Menos esperto.
Menos autêntico.

J.P. se foi sem nem esperar que eu pudesse aprender a falar. Nem um balbucio sequer. E hoje eu tenho tanto a dizer, a perguntar e a discordar - por que não?

Das poucas certezas que eu tenho na vida, as mais tristes dizem respeito aos homens com quem eu nunca vou ter a chance de trocar uma palavra, já que eles resolveram nascer em décadas tão anteriores à minha. E não há nenhum conteúdo edipiano nessa sentença.

É triste saber que jamais terei a oportunidade de ser seduzida por tais olhos azuis, de voz doce e trejeitos encantadoramente marotos. Sinatra é o líder implacável da minha viuvez mais sensorial, mais sensível. O #1 da categoria "eventos românticos que nunca acontecerão".

Não menos importante e provocante, Andy Warhol. Esse jamais tentaria me seduzir, no máximo elogiaria os meus sapatos. E, com suas colocações absolutamente desprovidas de qualquer censura, ruborizaria até as bochechas mais carazinhenses do meu rosto sardento. Mal-criado, atrevido. Exemplar clássico do sincericida que não temia a morte e não usava capacete. Me deixou sem nem um bilhete.

Ah, J.P... se tu soubesses o quanto eu te sou grata, daria um sorrisinho. O cara mais moderno que o século XX produziu. Um bule de chá e eu já ficaria satisfeita. Muda e satisfeita. Extasiada, muda e satisfeita. Comovida. Se a existência é anterior à essência, se primeiro somos, para depois nos definirmos, quero mais um tempo pra ler, porque esse chá, pleo visto, foi adiado até segunda ordem.

Um único pedido: Mandela, dá pra esperar mais um pouco? Eu ainda não estou pronta pra ti. Canja de galinha e exercícios, por favor.


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sem título, porque título também é rótulo.

- Você é uma pessoa estranha!
- Estranha? Por que estranha? Poxa...
- Não se ofenda, é um elogio... quer dizer, "a kind of"...
- Desenvolve.
- Gosta de dirigir na estrada... de fazer churrasco e de xingar o Fossati falando palavras de baixo calão.
- ... cozinho bem, isso não conta?
- Cozinha bem, mas é uma pésima dona-de-casa...

Sou uma mulher estranha. Porque, volto a dizer, a gente aprendeu na etiqueta grudada nas costas das nossas mães que Barbie é de menina e carrinho é de menino, e se alguma coisa fugir disso, corra pro psiquiatra. Não estou reclamando, a mulherada dirige mal mesmo e joga bola de um jeito superesquisito, mas porque aprendeu desde sempre que isso era coisa de homem, função de homem. Cérebro condicionado, uma desgraça.

Eu acho que posso tudo, sei tudo e faço tudo que a força dos meus bracinhos magrelos me permite. É muito ruim ficar com a unha preta de carvão, mas é uma delícia ver aqueles pares de bochechas mastigando a carninha suculenta ou aquele bando de marmanjos invejando aquela 'estacionada' perfeita, de primeira, sem banda branca nos pneus.

Longe de mim escrever um manifesto feminista.
Eu só queria deixar claro que eu não sou estranha, sou livre. Não faço pré-julgamentos, não rotulo ninguém, não coloco limites nas pessoas - todo mundo é capaz de fazer algo surpreendentemente difícil ou surpreendentemente sensível.

Não vejo nada de diferente entre meninos e meninas além de pintos e pererecas... tá bom, vai, o cheiro do cocô é bem diferente.



quarta-feira, 7 de abril de 2010

Alguma coisa acontece

Alguma coisa de muito estranha acontece com as pessoas.
Às vezes elas simplesmente esquecem, ignoram aquelas coisinhas básicas da vida coletiva que aprenderam desde as fraldas.

Mães e pais ensinam a gente a dividir os brinquedos, o lanche na escola. A maioria ensina aos meninos que é feio levantar a saia das meninas pra ver a calcinha, por mais que isso seja superdivertido naquela idade. Ensinam as meninas a sentar de pernas cruzadas ou a beijar e abraçar os mais velhos e as visitas com afeto.

Vamos crescendo e o contexto no qual nos vemos inseridos convida-nos a adquirir hábitos novos, reaprender algumas coisas, vê-las sob outro ponto de vista, e isso se reflete diretamente nas nossas atitudes. O espelho comportamental as vezes não crê naquilo o que reflete. Já premeditava o mestre Aluísio Azevedo sobre o quanto esse enredo chamado meio ambiente nos lapida ou nos corrompe com atrós facilidade - e eu concordo com ele.

Na era das redes sociais, da web devoradora, do fácil acesso que temos a tudo e a todos, inclusive a meias-verdades, precisamos cada vez mais de backgrounds sólidos dentro das nossas casas. Se neguinho não souber filtrar, capaz de surgirem novos Führers, novos Malufes, novos quaisquer coisa, aptos a transformar a vida de um grupo de pessoas num pseudo-inferno. Pode ser um vizinho chato, sem noção do volume do rádio; um desconhecido egocêntrico, que dá espetáculo na fila do supermercado; um colega de trabalho inseguro, sem qualquer espírito coletivo.

Não dá pra aprender postura e retidão na internet. No colégio eu duvido e, em casa, eu temo cada vez mais. Vão-se pelo ralo as noções de certo e errado quando mais se precisa delas. Quem já não furou uma fila? Quem já não copiou um belo texto da internet e apossou-se dele como sendo seu? Atire a primeira pedra quem for capaz, ou junte-se a mim, suspire e sinta saudades daqueles tempos em que uma citação supunha aspas e, mesmo assim, dava pra manter a auto-estima da gente numa boa.

Em tempo, refleti e retifico: meninos sempre gostam de levantar a saia das meninas, independente da idade.


terça-feira, 9 de março de 2010

Sartre.

Cada vez que eu releio Sartre eu adapto seus pensamentos a um determinado momento de vida, mas, em geral, ele sempre me parece correto e convergente aos meus conceitos puros.

Aqueles que eu não consigo fazer ninguém compreender, ele compreende.

Inventei de reler a Crítica da Razão Dialética e, página a página, acho a sua reflexão cada vez mais contemporânea, atualíssima. Como pode? Filosofia, ao contrário do que pensa a maioria, não é uma atividade contemplativa de quem não tem o que fazer. É um organismo vivo com o polegrar sobre o pulso da gente. Atemporal, atravessando gerações até se deparar com nossos modernismos que, de fato, têm a mesma raiz problemática de séculos atrás.

Adoro bater papo com ele. Me faz sentir imortal.


segunda-feira, 8 de março de 2010

Ah, o Dia da Mulher...

Quero começar agradecendo aos meus amigos fofos, que me enviaram mensagens lindas e carinhosas sobre esse dia. Ganhei até flores do meu amor, mas não sei se as mereço. Me pergunto o que temos feito para ter direito a tais regalias.

Dia oito, dia redondinho. Há alguns anos algumas amigas nossas deram a vida por uma causa e, de lá pra cá, sinto que só fizemos envergonhar essa crença, esse projeto. Naquela época, a mulherada ganhava muito menos, trabalhava muito mais, era escrava da casa e dos filhos e ainda tinha que sorrir. Vinha tudinho escrito em um manual de instruções que se aprendia desde criança, anotado nas costas das mães, com recomendações, páginas dobradas e frases achuradas.

Hoje, somos livres [sic!] como dizem as minhas amigas. Independentes, autosuficientes. Deusas de cabelos esvoaçantes em alta velocidade rumo a, nada mais, nada menos, do que o topo. E como tudo na vida evolui, se transforma, se moderniza, nosso jugo agora também é outro. A senzala contemporânea não tem nome, endereço, CPF e muito menos, paga as nossas contas. Somos verdadeiras escravas de um ser invisível, intangível chamado estereótipo.

A barriga chapada aliada à medicina ortomolecular: ode em lá menor para os nossos ouvidos. Somos escravas, em módulo velado, de tudo o que queremos e precisamos nos tornar para sermos simplesmente aceitas - por nós, pelos outros, pelas outras. O estilista do momento, o restaurante mais bacana, o sucesso na reunião, filhos poliglotas, primeiros na lista da medicina. Deixe de lado o descanso, a rede, a preguiça, o capuccino e outras auto-indulgências. Compita com o seu marido para ver quem ganha mais e fique solteira aos 35 anos. Malhe até morrer para namorar um rapaz de 28, mas saia de casa feliz da vida com a sua Land Rover e a sua bolsa de crocodilo falsa - porque a de verdade agride os seus princípios sustentáveis.

O cobertor que a gente ganhou da vida não tapa a cabeça e os pés ao mesmo tempo - há de escolher o que aquecer primeiro ou encolher-se sob ele. Seja uma profissional brilhante, faça o sonho da maternidade esperar e ature os olhares de reprovação de pai, mãe e marido ad eternum. Seja uma mãe dedicada, apontada pra sempre por não ter "decolado" na profissão. Quem sabe se nos permitirmos tomar as decisões sozinhas, consigamos fazer algumas dessas coisas juntas... e assim eu mereça, um dia, não precisar receber flores ou parabéns para me sentir uma mulher invencível, dessas que a gente vê nos filmes da Meryl Streep ou da Susan Sarandon.

Meninos, obrigada. Vocês cumpriram com maestria o seu papel - de estimuladores, românticos, doces. Quem precisa lutar muito para romper alguns grilhões ainda somos nós.


domingo, 21 de fevereiro de 2010

Ácido.

Pessoas como eu deveriam ser sumariamente proibidas de ter blogs, facebooks, colunas em jornais e revistas, twitters ou qualquer outro tipo de meio pseudo-público de expressar suas opiniões. Nem sequer um celular habilitado ao SMS. Deveríamos, sim, ser isolados do convívio involuntário com outros seres da mesma espécie, restritos a pai e mãe, família e amigos muito chegados. Ponto.
Assim são os ácidos, aqueles que expressam seus pontos de vista mais críticos - ao melhor estilo "fratura exposta" - sobre o mundo e sobre si mesmos. Sim, porque não pense você que, em meio à tanta espontaneidade, não sobra tempo para uma auto-reflexão e, consequentemente, um auto-flagelo muito bem executado, com requintes de crueldade, torturas psicológicas e ferro quente. (essa parte é mentira...)
Eu sou do tempo em que a crítica era o meu melhor presente, a minha melhor forma de demonstrar bem-querer, consideração por alguém. A crítica era o amor em forma de verbo, de ação, e servia para, provocado o confronto, evoluir, melhorar, desabrochar um conceito novo.
Agora, passo perto das jaulas da censura, dos eufemismos cínicos das diplomacia e aprendo com isso. Retidão não é green card para nenhum território, ao contrário, é o mais blasè dos elogios.
Não nego, já me adaptei. Com muita dificuldade, mas com a sabedoria do senso de sobrevivência e da chegada dos trinta anos.
Não nego, doeu. Tomo uma aspirina e sigo em frente.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Logo.

Eu preciso escrever logo, antes que acabe o mês, porque janeiro foram três e fevereiro somente um. Dois, agora. Quase. Indo.
Eu preciso ao menos manter a média do ano passado, que já achei parca, insuficiente, pouca para dar vasão à tanto o que pensar. Eu preciso escrever logo antes que elas fujam - elas, as idéias, ou eles, os fatos.
Eu preciso acabar logo, porque depois de escrever tem o trânsito, a pauta, o jantar, e, logo, um deles vai atrasar. O problema todo é organizar - o que vem primeiro e o que vem logo depois. Priorizar, o que significa escolher, porque um deles vai ficar pra logo mais.

É dificil viver na logosfera.



segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A volta dos que não foram

Parece assunto repetido, mas não é. Quer dizer, até é, porque quando determinadas pessoas de um passado recente voltam ao nosso convívio, por mais que passem os anos, tem um quê interessantíssimo de nostalgia no meio de tantas notícias.

Todo mundo conta novidades depois de anos e anos. Todo mundo casou, separou, se formou, trabalha, viaja. Todo mundo troca de casa, coloca peito ou vira gay. Todo mundo tem um milhão de novidades pra contar multiplicadas pelas décadas que se passaram desde o último encontro. É maravilhoso ouvir como as pessoas evoluíram, mas o mais bacana é ver como elas são, no fundo, aquelas mesmas. Com mais ou menos dinheiro, mais ou menos sucesso, um sotaque diferente ou alguns fios prateados no cabelo, mas com olhos, gestos e idiossincrasias de tempos atrás.

No meio da conversa contemporânea, sopra a vontade de passear de novo naquele contexto, so para sentir os mesmos cheiros, os mesmos gostos, os mesmos sonhos. Resgatar coisas, como quando a gente abre uma caixa que ficava sobre o armário, ou quando a gente coloca a mão no bolso da calça e acha uma nota de dinheiro. Sensação de achar algo que não se perdeu, que sempre se soube ali, só faltava pegar.

Peguei. Adoro.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A volta dos que foram.

A volta do Ronaldo ao futebol brasileiro representou muito mais do que uma negociação milionária, um evento midiático ou o prenúncio de uma aposentadoria. Ronaldo estabeleceu um novo paradigma na indústria desse esporte, e atrás dele vieram e virão outros.

Parece que agora é possível ter uma carreira notória e financeiramemte interessante jogando em clubes brasileiros. Veio Ronaldo, depois de um período ruim, novas contusões e férias altamente calóricas. Veio depois o Imperador, deprimido, saudoso, com uma dose interessante de rebeldia infantil, daquela que bate os pés no chão e cruza os braços beiçuda, dizendo "não, não e não!". Veio Roberto Carlos, lá de longe, dar as mãos ao parceiro no Corinthians. Como duas comadres que se cruzam no supermercado, e uma recomenda pra outra uma nova e excelente marca de requeijão light - experimentei e gostei! Agora parece que vem o Robinho, que nunca gostou do City, mas sempre teve um bom pai-empresário para fazer negócios.

Cada um com seus motivos - financeiros, passionais, antropológicos. O importante é que iniciou-se uma safra de retornos que devolveu ao futebol deste País uma audiência que tínhamos perdido há tempos. Obviamente, a decolagem das carreiras ainda está intimamente associada ao desejo que o novo talento desperta nos clubes europeus ou nos emergentes orientais do petrodólar e, isso, a gente ainda vai aceitar por bastante tempo. Certo também que uma relativa maturidade - profissional e afetiva - se faz necessária nesse tipo de escolha, afinal é bem mais difícil glamourizar esse retorno. Faz parte e o nosso futebol só tem a ganhar.

Rafael Sóbis, que anda rodeando o Beira-Rio, sempre foi muito maduro no meu conceito...


terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Crítica culinária.

A partir de hoje esse blog será um excelente meio de divulgação de ótimas e descomplicadas receitas culinárias. Não quero mais falar de futebol, da situação sócio-econômica do Brasil, da Índia e suas tecnologias que melhoram a vida dos pobres, tampouco sobre o papel das mulheres no complexo contexto urbano economicamente ativo.

Dicas e receitas são um meio mais leve de se relacionar com o público e emitir opiniões, afinal se a cara do chuchu estiver ruim ou a laranja estiver sem suco, ninguém vai se importar. Eu nunca vi, por exemplo, um programa de culinária reclamar do preço abusivo do filé de salmão ou do azeite de oliva. Viram? Uma problemática inflacionária a menos para ocupar a cabeça, além da vantagem de que anuros não são das minhas carnes favoritas.

Cozinhar é uma arte, e prover o alimento aos queridos é quase um ato sagrado, sem contar que é extremamente prazeroso ouvir o silêncio à mesa. Lindo demais falar de comida, de cores e sabores, ao invés de aborrecer-se na tentativa de criticar o mundo e o seu curso, na esperança de fazer alguma coisa mudar. Tolice! Muito mais profunda é a polpa do maracujá que vira um molho irresistível. Muito mais consistente é a combinação do brie com a pêra, envoltos pela folha de rúcula bem verdinha.

Afora a filosofia, a cozinha tornou-se uma pauta extremamente democrática nos últimos anos. Homos e heteros harmonizaram esse conteúdo com uma boa garrafa de vinho chileno e transformaram a cozinha num lugar social da casa. O que pode nos levar a uma profunda reflexão existencial sobre a necessidade básica de alimentar-se, da qual milhares de pessoas são privadas no mundo inteiro... ops. Quase engasguei... molho picante demais.

Bobagem! Não há diferenças sociais entre legumes e tubérculos, muito menos entre peixes e aves - ambos têm a carne branca e tomam hormônios para parecerem mais saborosos e carnudos aos nossos olhos. Existe muito mais fair play no universo gastronômico. Tem espaço para maçãs verdes e vermelhas nas saladas mais deliciosas.

Talvez haja brechas para se discutir a escalação da receita - troque a batata por aipim ou adicione maisena para engrossar o caldo. Sempre tem um elemento que pode fazer a diferença no resultado, mesmo entrando aos quarenta e cinco do segundo tempo. Obviamente que o chef precisa ser um cara de visão, articulado, que conheça bem os ingredientes, os seus pontos fortes e como cada um se combina e joga junto na busca do resultado.

Tem alguns por aí com montes de ingredientes bem selecionados no banco, mas que deixam uma pimenta do reino na reserva quando o adeversário eh um lindo filé de peixe, de postas brancas e altas. Obtusos e óbvios, retranqueiros e fãs de um espetáculo insosso, sem ousadia, sem um pimentão colorido ou um punhado de nozes pecan dando crocância à mastigacão.

Falar de culinária também é uma atitude sustentável. Eu gastaria bem menos fosfato em minhas sinapses tratando desse assunto e, portanto, meu footprint de carbono seria mais auspicioso em 100 ou 150 anos, representando uma enorme contribuição para as futuras gerações.

Enfim, até este nono parágrafo eu só consegui elencar vantagens nesse novo direcionamento estratégico, e sequer citei o nome de algum time ou fiz uma crítica a algum modelo social despautérico ou atitude machista condenável. Espetacular.

Na semana que vem, frango ao limão... siciliano, que é mais docinho.




sábado, 2 de janeiro de 2010

Esperança.

Esperança é a palavra de ordem de toda passagem de ano. Renovamos as promessas, as expectativas, sempre pensando em melhorar, evoluir, até mesmo mudar o que não aceitamos. Desde começar uma simples dieta ou sucumbir aos apelos da academia, até construir ou destruir relacionamentos, assumir dívidas, mudar de cidade, de País. A virada de ano exerce sobre nós um poder de transformação, de motivação. Como se a gente ganhasse de uma fada uma varinha mágica plug-and-play de fácil utilização que nos fizesse acreditar que, agora sim, seremos capazes de correr atrás disso ou de fazer aquilo o que prometemos há tempos. Esperança é o combustível, a bateria recarregável e poderosa que a faz tilintar a cada novo querer.

Dizem que esse comportamento positivo é bastante típico dos povos dessas bandas. Acho que é a incidência do sol e a proximidade dos trópicos, mas isso é outro assunto. Auxiliado por esse modus operandi natural, o ano de dois mil e dez tem outras vantagens competitivas - sonoras, estéticas e estatísticas, eu diria. É um ano redondo, cujo decimal está sempre associado à êxito, sucesso, nota máxima. Além disso, veio logo em seguida de um 'zero nove' em que demonstramos a nossa força econômica e saímos (quase) ilesos de uma crise mundial que blablabla todo mundo sabe dessa história. Isso sem falar de Copa, Olimpíada, do pré-sal, do Cesar Cielo, de Copenhague.

O Brasil vai ganhando relevância e nós vamos abastecendo nossos bolsos de esperança, aquela cossegazinha que deixa as coisas mais interessantes, as vitórias mais doces e uma frustração que ajuda a querer fazer melhor na próxima vez. Esperança faz brilhar o olhos e dilatar as pupilas mais interessadas. Esperança não é de quem espera, é de quem deseja, saliva, adoece, treme e é isso o que a chegada de um novo ano faz com a gente - renova, recarrega as nossas tremedeiras.

A esperança leva a gente mais longe.