quarta-feira, 28 de abril de 2010

Admirável.

Admiráveis os desbravadores.
Acreditam em coisas que os outros não vêem, perseguem objetivos que ninguém valoriza. Criaturas dotadas de uma visão periférica invejável, são quase capazes de prever o futuro e apontar a inovação. Fazem a tendência parecer brincadeira de criança.

A história, antiga e recente, nos mostra diversos exemplares. Desde os descobridores de novos mundos, até os excêntricos cortadores de orelha. Uma pena que, em média, morrem jovens, pobres e eternos.

Uma metáfora muito adequada ao nosso universo atual, moderno, contemporâneo, horizontal, global e um tanto quanto hipócrita - ainda - nesse aspecto. O mundo da comunicação, igualmente, nada seria sem esse bicho carpinteiro que habita alguns corpos e os faz, quase que involuntariamente, mirar o escuro, atirar no incerto, vasculhar possibilidades. Tatear por texturas desconhecidas sob o som flamante das críticas sem a menor possibilidade de desistir, de apagar.

Há os que operam a certeza, e é graças a eles que eu posso olhar o futuro.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Opostos.

O choro é uma das coisas que mais refrata as pessoas. Quando fervo em gargalhadas, elas me acompanham, no caso de acharem a falácia tão merecedora quanto eu, mas se choro elas se fecham. O choro inibe. O choro comove. O choro choca, de certa forma.

O choro é o oposto do riso, e, portanto, se rio quando estou feliz, choro quando?

Admito, a gente chora quando está triste, quando está frustrado, quando está com saudade, quando tem dor e, em geral, todas essas coisas tem um lado não tão bom - como todas as coisas.

O choro é o oposto do riso, e, portanto, se rio para colocar uma alegria pra fora, choro para que?

Todo mundo chora e eu acho que isso deveria ser mais natural. Poupe o olhar de pena. Poupe as perguntas constrangedoras, o abraço maternal e chore junto, se quiser. Alivia, excreta, limpa.

O choro é o oposto do riso, mas poderia ser tão contagiante quanto.


sexta-feira, 16 de abril de 2010

Picotes.

Picotes nunca funcionam comigo. Ou sou eu que não funciono com eles.
Eu vou tomar a iniciativa de fazer uma enquete sobre o assunto, porque, honestamente, isso acaba abalando um pouco a minha auto-estima.

É assim com o filtro de café, com a embalagem de cereal, com a caixa de lenço de papel. Tem uma instrução clara, que diz que basta pressionar para abrir e isso, invariavelmente, não funciona comigo. Sempre rasga um pedaço, justo aquele que deveria encaixar para garantir um mínimo fechamento depois de violado o picote.

1. Azar;
2. Inabilidade;
3. Defeito de fabricação (Meu ou do picote?);
4. O psiquiatra diria que isso é um claro sintoma da minha incapacidade de começar e encerrar as relações de uma forma adequada, normal, padrão, conforme as regras;
5. Meu mecânico diria "traz aqui pr'eu ver, se não vai dar merda dona Fernanda";
6. Minha chefe diria que eu sempre arrumo um jeito de quebrar os paradigmas, e que é justamente pra isso que ela me paga;
7. Meu namorado diria que eu sou perfeita e que a indústria do picote, que teve seu amadurecimento no auge da revolução digital, ficou ultrapassada e obsoleta, portanto picotes não podem, jamais, serem considerados balizadores sociais, muito menos medidas da habilidade humana;
8. Kurt Cobain diria que não há mais nada na vida depois dessa derrota;
9. Minhas amigas me diriam pra orientar melhor a minha empregada;
10. Minha empregada diria que nunca teve problemas com essas embalagens picotadas.


Tudo na vida é ponto de vista, e é por isso que eu ainda prefiro rasgar grosseiramente o tal do picote e fechar a embalagem com o prendedor de roupas de madeira, que nem a minha avó faz.


quinta-feira, 15 de abril de 2010

Meus homens.

Há exatos vinte anos, o mundo ficava mais bege.
Menos inteligente.
Menos esperto.
Menos autêntico.

J.P. se foi sem nem esperar que eu pudesse aprender a falar. Nem um balbucio sequer. E hoje eu tenho tanto a dizer, a perguntar e a discordar - por que não?

Das poucas certezas que eu tenho na vida, as mais tristes dizem respeito aos homens com quem eu nunca vou ter a chance de trocar uma palavra, já que eles resolveram nascer em décadas tão anteriores à minha. E não há nenhum conteúdo edipiano nessa sentença.

É triste saber que jamais terei a oportunidade de ser seduzida por tais olhos azuis, de voz doce e trejeitos encantadoramente marotos. Sinatra é o líder implacável da minha viuvez mais sensorial, mais sensível. O #1 da categoria "eventos românticos que nunca acontecerão".

Não menos importante e provocante, Andy Warhol. Esse jamais tentaria me seduzir, no máximo elogiaria os meus sapatos. E, com suas colocações absolutamente desprovidas de qualquer censura, ruborizaria até as bochechas mais carazinhenses do meu rosto sardento. Mal-criado, atrevido. Exemplar clássico do sincericida que não temia a morte e não usava capacete. Me deixou sem nem um bilhete.

Ah, J.P... se tu soubesses o quanto eu te sou grata, daria um sorrisinho. O cara mais moderno que o século XX produziu. Um bule de chá e eu já ficaria satisfeita. Muda e satisfeita. Extasiada, muda e satisfeita. Comovida. Se a existência é anterior à essência, se primeiro somos, para depois nos definirmos, quero mais um tempo pra ler, porque esse chá, pleo visto, foi adiado até segunda ordem.

Um único pedido: Mandela, dá pra esperar mais um pouco? Eu ainda não estou pronta pra ti. Canja de galinha e exercícios, por favor.


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sem título, porque título também é rótulo.

- Você é uma pessoa estranha!
- Estranha? Por que estranha? Poxa...
- Não se ofenda, é um elogio... quer dizer, "a kind of"...
- Desenvolve.
- Gosta de dirigir na estrada... de fazer churrasco e de xingar o Fossati falando palavras de baixo calão.
- ... cozinho bem, isso não conta?
- Cozinha bem, mas é uma pésima dona-de-casa...

Sou uma mulher estranha. Porque, volto a dizer, a gente aprendeu na etiqueta grudada nas costas das nossas mães que Barbie é de menina e carrinho é de menino, e se alguma coisa fugir disso, corra pro psiquiatra. Não estou reclamando, a mulherada dirige mal mesmo e joga bola de um jeito superesquisito, mas porque aprendeu desde sempre que isso era coisa de homem, função de homem. Cérebro condicionado, uma desgraça.

Eu acho que posso tudo, sei tudo e faço tudo que a força dos meus bracinhos magrelos me permite. É muito ruim ficar com a unha preta de carvão, mas é uma delícia ver aqueles pares de bochechas mastigando a carninha suculenta ou aquele bando de marmanjos invejando aquela 'estacionada' perfeita, de primeira, sem banda branca nos pneus.

Longe de mim escrever um manifesto feminista.
Eu só queria deixar claro que eu não sou estranha, sou livre. Não faço pré-julgamentos, não rotulo ninguém, não coloco limites nas pessoas - todo mundo é capaz de fazer algo surpreendentemente difícil ou surpreendentemente sensível.

Não vejo nada de diferente entre meninos e meninas além de pintos e pererecas... tá bom, vai, o cheiro do cocô é bem diferente.



quarta-feira, 7 de abril de 2010

Alguma coisa acontece

Alguma coisa de muito estranha acontece com as pessoas.
Às vezes elas simplesmente esquecem, ignoram aquelas coisinhas básicas da vida coletiva que aprenderam desde as fraldas.

Mães e pais ensinam a gente a dividir os brinquedos, o lanche na escola. A maioria ensina aos meninos que é feio levantar a saia das meninas pra ver a calcinha, por mais que isso seja superdivertido naquela idade. Ensinam as meninas a sentar de pernas cruzadas ou a beijar e abraçar os mais velhos e as visitas com afeto.

Vamos crescendo e o contexto no qual nos vemos inseridos convida-nos a adquirir hábitos novos, reaprender algumas coisas, vê-las sob outro ponto de vista, e isso se reflete diretamente nas nossas atitudes. O espelho comportamental as vezes não crê naquilo o que reflete. Já premeditava o mestre Aluísio Azevedo sobre o quanto esse enredo chamado meio ambiente nos lapida ou nos corrompe com atrós facilidade - e eu concordo com ele.

Na era das redes sociais, da web devoradora, do fácil acesso que temos a tudo e a todos, inclusive a meias-verdades, precisamos cada vez mais de backgrounds sólidos dentro das nossas casas. Se neguinho não souber filtrar, capaz de surgirem novos Führers, novos Malufes, novos quaisquer coisa, aptos a transformar a vida de um grupo de pessoas num pseudo-inferno. Pode ser um vizinho chato, sem noção do volume do rádio; um desconhecido egocêntrico, que dá espetáculo na fila do supermercado; um colega de trabalho inseguro, sem qualquer espírito coletivo.

Não dá pra aprender postura e retidão na internet. No colégio eu duvido e, em casa, eu temo cada vez mais. Vão-se pelo ralo as noções de certo e errado quando mais se precisa delas. Quem já não furou uma fila? Quem já não copiou um belo texto da internet e apossou-se dele como sendo seu? Atire a primeira pedra quem for capaz, ou junte-se a mim, suspire e sinta saudades daqueles tempos em que uma citação supunha aspas e, mesmo assim, dava pra manter a auto-estima da gente numa boa.

Em tempo, refleti e retifico: meninos sempre gostam de levantar a saia das meninas, independente da idade.